
SINOPSE: Apesar de ter dúvidas sobre seu relacionamento, uma jovem (Jessie Buckley) faz uma viagem com seu novo namorado (Jesse Plemons) para a fazenda da família dele. Isolados na casa com os pais de Jake (Toni Collette e David Thewlis) durante uma tempestade de neve, a jovem começa a questionar tudo o que imaginava saber sobre seu namorado, o mundo e si mesma.
AUTOR do TEXTO: Eliezer Lugarini
Em algum outro texto
de minha autoria, recentemente discorri algo sobre os efeitos do risco no
cinema. Naquela oportunidade, me referia ao risco físico de acidentes, nesta, vou
me apropriar da minha ideia anterior para o risco da proposta narrativa no
cinema.
Já se foi a época em
que a busca incessante no cinema era pelo novo, por ousar, por encontrar formas
narrativas diferentes das usuais, quebrar paradigmas ou mesmo referenciar o
próprio “eu” do artista em jornadas de autoconhecimento. Refiro-me ao cinema de
vanguarda, aquele que enfureceu os anos 50 e 60 com a chegada da novelle-vague
francesa - com Godard literalmente detonando a
instituição da narrativa clássica -, com o cinema novo no Brasil, com as
diversas “new-waves” que se
espalharam pelo mundo (Inglaterra,
Republica Tcheca, Japão entre outros), à marginalização e à completa
radicalização do cinema underground
nova-iorquino, ou mesmo do cinema marginal brasileiro.
Tudo isso, virou
história, foi colocado nos livros de história da arte e de entendimento do
cinema e, após os anos 1980, foi praticamente esquecido. Não se pensa mais em
vanguarda desde então. Assim, exceto pelo Dogma 95, não houve mais
vanguardismo no cinema. Atualmente, em geral, qualquer artista que ouse
minimamente mexer com a “instituição
sagrada” do começo, meio e fim e que fuja da clareza objetiva de seu
significado corre o risco de automaticamente ser taxado de presunçoso,
pretensioso ou pedante.
Charlie Kaufman é um dos poucos - diria um dos raros exemplos atuais de um
artista inconformado. Inconformado, no sentido de que suas viagens pessoais
simplesmente não bastam, o artista precisa encontrar o novo além de transparecer
e espelhar sua alma em seus filmes. E ele o faz, sem nunca cair em obviedades.

Kaufman praticamente
condensa toda sua carreira em “Estou
Pensando Em Acabar Com Tudo”. Aqui ele discorre sobre identidade, memória,
tempo, envelhecimento, arrependimento, morte, suicídio, solidão e depressão, sem
nunca esquecer de seu trabalho metalinguístico costumeiro, a respeito da
plasticidade do cinema em sua relação de beleza x feiura. Seu filme é um sonho
filmado dos mais emblemáticos do cinema recente, que recorre demais ao cinema
de Alain
Resnais e ao que se fazia nos anos 60, mas claro do jeito Kaufman
de ser.
Kaufman arrisca em um
filme de alto valor simbólico. Suas simbologias dão vida a um filme que
fatalmente será visto por boa parte da audiência como isento de história. Não
se engane, caro leitor, tudo no filme de Kaufman tem significado e representa
algo na viagem de Jake (Jesse Plemons)
e de sua namorada (Jessie Buckley) - desde a estrada vazia perfazendo a jornada
em que ambos adentram, jornada solitária, fria e nebulosa, num embate entre memória
e desejo, entre ficção e realidade, entre a vontade de seguir inerte num
caminho sem volta ou acabar com tudo. Kaufman entrega um filme muito pessoal, onde o
próprio artista está sendo colocado diante de um espelho - note como o personagem é sempre visto através de um vidro. Seu
filme é habitado por fantasmas, mas no fundo todos aqueles personagens são
apenas um: o Charlie Kaufman que teme o próprio Charlie Kaufman.
De certa forma, fico até um pouco preocupado do Kaufman resolver
tirar a própria vida, em razão de sua angústia e tristeza constante com o
mundo, algo que fica claro em toda sua filmografia, ou mesmo que “Estou Pensando em Acabar com Tudo”
seja, de certo modo, seu testamento cinematográfico.
Minha torcida é óbvia para que esta leitura seja
exclusivamente no âmbito artístico, já que o americano é um dos poucos
vanguardistas e inovadores vivos do cinema - um verdadeiro gênio. E que o único risco que Kaufman corra seja apenas
o de ser mal compreendido, coisa que, convenhamos, é facílimo de acontecer hoje
em dia.


0 comentários: