ESTOU PENSANDO EM ACABAR COM TUDO

By | outubro 02, 2020 Leave a Comment
LANÇAMENTO: 04 de setembro de 2020 
DIREÇÃO: Charlie Kaufman 
ROTEIRO: Charlie Kaufman e Iain Reid 
ELENCO: Jessie Buckley, Jesse Plemons, Toni Collette...


SINOPSE: Apesar de ter dúvidas sobre seu relacionamento, uma jovem (Jessie Buckley) faz uma viagem com seu novo namorado (Jesse Plemons) para a fazenda da família dele. Isolados na casa com os pais de Jake (Toni Collette e David Thewlis) durante uma tempestade de neve, a jovem começa a questionar tudo o que imaginava saber sobre seu namorado, o mundo e si mesma.


AUTOR do TEXTO: Eliezer Lugarini


Em algum outro texto de minha autoria, recentemente discorri algo sobre os efeitos do risco no cinema. Naquela oportunidade, me referia ao risco físico de acidentes, nesta, vou me apropriar da minha ideia anterior para o risco da proposta narrativa no cinema.

 

Já se foi a época em que a busca incessante no cinema era pelo novo, por ousar, por encontrar formas narrativas diferentes das usuais, quebrar paradigmas ou mesmo referenciar o próprio “eu” do artista em jornadas de autoconhecimento. Refiro-me ao cinema de vanguarda, aquele que enfureceu os anos 50 e 60 com a chegada da novelle-vague francesa - com Godard literalmente detonando a instituição da narrativa clássica -, com o cinema novo no Brasil, com as diversas “new-waves” que se espalharam pelo mundo (Inglaterra, Republica Tcheca, Japão entre outros), à marginalização e à completa radicalização do cinema underground nova-iorquino, ou mesmo do cinema marginal brasileiro.

 


Tudo isso, virou história, foi colocado nos livros de história da arte e de entendimento do cinema e, após os anos 1980, foi praticamente esquecido. Não se pensa mais em vanguarda desde então. Assim, exceto pelo Dogma 95, não houve mais vanguardismo no cinema. Atualmente, em geral, qualquer artista que ouse minimamente mexer com a “instituição sagrada” do começo, meio e fim e que fuja da clareza objetiva de seu significado corre o risco de automaticamente ser taxado de presunçoso, pretensioso ou pedante.  

 

Charlie Kaufman é um dos poucos - diria um dos raros exemplos atuais de um artista inconformado. Inconformado, no sentido de que suas viagens pessoais simplesmente não bastam, o artista precisa encontrar o novo além de transparecer e espelhar sua alma em seus filmes. E ele o faz, sem nunca cair em obviedades.


 

Kaufman praticamente condensa toda sua carreira em “Estou Pensando Em Acabar Com Tudo”. Aqui ele discorre sobre identidade, memória, tempo, envelhecimento, arrependimento, morte, suicídio, solidão e depressão, sem nunca esquecer de seu trabalho metalinguístico costumeiro, a respeito da plasticidade do cinema em sua relação de beleza x feiura. Seu filme é um sonho filmado dos mais emblemáticos do cinema recente, que recorre demais ao cinema de Alain Resnais e ao que se fazia nos anos 60, mas claro do jeito Kaufman de ser.

 

Kaufman arrisca em um filme de alto valor simbólico. Suas simbologias dão vida a um filme que fatalmente será visto por boa parte da audiência como isento de história. Não se engane, caro leitor, tudo no filme de Kaufman tem significado e representa algo na viagem de Jake (Jesse Plemons) e de sua namorada (Jessie Buckley) - desde a estrada vazia perfazendo a jornada em que ambos adentram, jornada solitária, fria e nebulosa, num embate entre memória e desejo, entre ficção e realidade, entre a vontade de seguir inerte num caminho sem volta ou acabar com tudo.  Kaufman entrega um filme muito pessoal, onde o próprio artista está sendo colocado diante de um espelho - note como o personagem é sempre visto através de um vidro. Seu filme é habitado por fantasmas, mas no fundo todos aqueles personagens são apenas um: o Charlie Kaufman que teme o próprio Charlie Kaufman.

 

De certa forma, fico até um pouco preocupado do Kaufman resolver tirar a própria vida, em razão de sua angústia e tristeza constante com o mundo, algo que fica claro em toda sua filmografia, ou mesmo que “Estou Pensando em Acabar com Tudo” seja, de certo modo, seu testamento cinematográfico.

 

Minha torcida é óbvia para que esta leitura seja exclusivamente no âmbito artístico, já que o americano é um dos poucos vanguardistas e inovadores vivos do cinema - um verdadeiro gênio. E que o único risco que Kaufman corra seja apenas o de ser mal compreendido, coisa que, convenhamos, é facílimo de acontecer hoje em dia.


REFERÊNCIAS


TRAILER: https://www.youtube.com/watch?v=TLDLLzYecGw
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