MARINHEIRO DE ENCOMENDA

By | setembro 08, 2020 Leave a Comment
LANÇAMENTO = 12 de maio de 1928 
DIREÇÃO = Buster Keaton e Charles Reisner 
ROTEIRO = Carl Harbaugh 
ELENCO = Buster Keaton; Ernest Torrence; Marion Byron; Tom Lewis; Tom McGuire

SINOPSE: O capitão William Canfield e o John James King são adversários na luta pelo controle do transporte de passageiros em River Junction. A acirrada disputa entre os barcos de William e de John tem um agravante com a chegada de William Canfield Jr., filho do capitão: depois de começar a trabalhar com o pai ele se apaixona por Marion King, filha do rival.

AUTOR do TEXTO: Eliezer Lugarini

Sabe, sou de uma época que já não existe mais. Por gentileza, não insinue antecipadamente que sou um destes nostálgicos inveterados. E sim, esta é apenas uma observação a despeito das mudanças dos tempos. Vivemos a época do risco mínimo e da segurança máxima. Não questiono tal lógica, mas volto a dizer, cresci em outro mundo alheio a este que vivemos.

Comparemos uma criança em um apartamento dos dias de hoje com outra que viveu nos anos 80. Certamente a criança atual vai se deparar com telas de proteção, protetores de tomadas, saídas de incêndio, alarmes, protetores de escadas, chão acolchoado e aquecido obviamente, toma aulas de parkour quando pratica escaladas e por aí vai. Eu mesmo, quando criança, caía de árvores, pulava de alturas bastante consideráveis, escalava o prédio de 2 andares que morava, quando ficava preso, para fora, cheguei a tomar soda cáustica, engolia moedas e apenas aguardava o processo natural de eliminação, sem passar por lavagens intestinais ou qualquer outro procedimento (exceto no caso da soda cáustica).


A vida era assim! Os riscos eram menos calculados e tudo se levava de forma mais despreocupada quanto à segurança. No cinema, esta lógica não é diferente. Desde seus primórdios até os dias atuais, a preocupação, a respeito da segurança de todos que se envolvem com o cinema, tem gradativamente aumentado, de forma que chegamos aos dias atuais, em que basicamente tudo é feito por computador, para garantir que não haja danos a nenhum ator ou equipe de filmagem.

No entanto, é bastante corriqueiro encontramos no passado exemplos de pessoas que se machucaram gravemente ou até morreram durante filmagens de um determinado filme. Jackie Chan quebrou vários ossos do corpo, Bruce Lee morreu de tanto treinar, Tarkovsky e sua equipe morreram anos depois de Stalker ser rodado em uma área exposta à radioatividade.

Já, para Buster Keaton, o perigo era intrínseco à sua arte de fazer cinema. O tombo, para ele, era sua maior ferramenta e artifício de humor. Considerando o fato de que seus filmes foram rodados basicamente nos anos 20, entendo que sua preocupação com segurança era quase nula. Não à toa, ele caiu do topo de um prédio em As Três Eras, quebrou o pescoço em uma cena de Sherlock Jr e, em várias gags, se machucou com alguma gravidade.


Sem sombra de dúvidas, a cena mais emblemática e arriscada da carreira de Keaton está em “Marinheiro de Encomenda”, de 1928. O filme retrata a chegada de Buster em River Junction para visitar seu pai, dono de uma embarcação de turistas para visitação do rio. Buster se apaixona pela filha do rival de seu pai, o que gera uma dificuldade no relacionamento entre os dois. “Marinheiro de encomenda” tem uma história bastante simples, mas é na sequência do vendaval que encontramos seu grande valor artístico. Buster literalmente destrói toda a cidade com rajadas de vento e chuvas torrenciais. Casas desabam, carros são arrastados. Buster literalmente voa agarrado em uma árvore e uma casa é arrastada para o rio na seqüência final. Tudo muito bem orquestrado e com efeitos surpreendentes – claro, quando não se tratam de tomadas reais.

Mas a grande cena a que me refiro é quando uma casa de madeira desaba sobre Buster - que permanece intacto graças à única janela da construção. Buster calculou a queda da casa e onde seria o impacto da janela - marcou um “x” no chão e toque-lhe fogo. A casa pesava mais de uma tonelada e, até onde se sabe, todos no cenário sabiam da possibilidade da morte de Keaton na cena. Pessoas rezavam e muitos integrantes da filmagem se recusaram a presenciar a cena.

Não me coloco na posição de julgar Buster, mas o fato é que ele deliberadamente arriscou sua própria vida em nome da arte a qual ele acreditava - e este sentimento é louvável. Buster sobreviveu e seu filme também, muito graças a esta cena, que se tornou ícone de sua carreira.  Keaton já morreu, é verdade. Mas lembre-se que ele arriscou sua vida para que você possa se deliciar com uma cena memorável no maior conforto de sua casa, recheado dos mais belos aparatos que a tecnologia e a segurança da vida moderna te proporcionam. Por isso, leitor, honre a memória de Keaton e assista a “Marinheiro de Encomenda”.
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