

LANÇAMENTO = 12 de maio de 1928
DIREÇÃO = Buster Keaton e Charles Reisner
ROTEIRO = Carl Harbaugh
ELENCO = Buster Keaton; Ernest Torrence; Marion Byron; Tom Lewis; Tom McGuire
SINOPSE:
O capitão William Canfield e o John James King são adversários na luta pelo
controle do transporte de passageiros em River Junction. A acirrada disputa
entre os barcos de William e de John tem um agravante com a chegada de William
Canfield Jr., filho do capitão: depois de começar a trabalhar com o pai ele se
apaixona por Marion King, filha do rival.
AUTOR do TEXTO:
Eliezer Lugarini
Sabe, sou de uma
época que já não existe mais. Por gentileza, não insinue antecipadamente que
sou um destes nostálgicos inveterados. E sim, esta é apenas uma observação a
despeito das mudanças dos tempos. Vivemos a época do risco mínimo e da segurança
máxima. Não questiono tal lógica, mas volto a dizer, cresci em outro mundo
alheio a este que vivemos.
Comparemos uma
criança em um apartamento dos dias de hoje com outra que viveu nos anos 80.
Certamente a criança atual vai se deparar com telas de proteção, protetores de
tomadas, saídas de incêndio, alarmes, protetores de escadas, chão acolchoado e
aquecido obviamente, toma aulas de parkour
quando pratica escaladas e por aí vai. Eu mesmo, quando criança, caía de
árvores, pulava de alturas bastante consideráveis, escalava o prédio de 2
andares que morava, quando ficava preso, para fora, cheguei a tomar soda
cáustica, engolia moedas e apenas aguardava o processo natural de eliminação, sem
passar por lavagens intestinais ou qualquer outro procedimento (exceto no caso da soda cáustica).

A vida era assim! Os
riscos eram menos calculados e tudo se levava de forma mais despreocupada
quanto à segurança. No cinema, esta lógica não é diferente. Desde seus
primórdios até os dias atuais, a preocupação, a respeito da segurança de todos
que se envolvem com o cinema, tem gradativamente aumentado, de forma que
chegamos aos dias atuais, em que basicamente tudo é feito por computador, para
garantir que não haja danos a nenhum ator ou equipe de filmagem.
No entanto, é
bastante corriqueiro encontramos no passado exemplos de pessoas que se
machucaram gravemente ou até morreram durante filmagens de um determinado
filme. Jackie Chan quebrou vários ossos do corpo, Bruce
Lee morreu de tanto treinar, Tarkovsky e sua equipe
morreram anos depois de Stalker ser rodado em uma área exposta à
radioatividade.
Já, para Buster
Keaton, o perigo era intrínseco à sua arte de fazer cinema. O
tombo, para ele, era sua maior ferramenta e artifício de humor. Considerando o
fato de que seus filmes foram rodados basicamente nos anos 20, entendo que sua
preocupação com segurança era quase nula. Não à toa, ele caiu do topo de um
prédio em As Três Eras, quebrou o pescoço em uma cena de Sherlock
Jr e, em várias gags, se
machucou com alguma gravidade.

Sem sombra de
dúvidas, a cena mais emblemática e arriscada da carreira de Keaton
está em “Marinheiro de Encomenda”, de
1928. O filme retrata a chegada de Buster em River Junction para
visitar seu pai, dono de uma embarcação de turistas para visitação do rio. Buster
se apaixona pela filha do rival de seu pai, o que gera uma dificuldade no
relacionamento entre os dois. “Marinheiro
de encomenda” tem uma história bastante simples, mas é na sequência do
vendaval que encontramos seu grande valor artístico. Buster literalmente
destrói toda a cidade com rajadas de vento e chuvas torrenciais. Casas desabam,
carros são arrastados. Buster literalmente voa agarrado em
uma árvore e uma casa é arrastada para o rio na seqüência final. Tudo muito bem
orquestrado e com efeitos surpreendentes – claro,
quando não se tratam de tomadas reais.
Mas a grande cena a que
me refiro é quando uma casa de madeira desaba sobre Buster - que permanece intacto graças à única janela
da construção. Buster calculou a queda da casa e onde seria o impacto da
janela - marcou um “x” no chão e
toque-lhe fogo. A casa pesava mais de uma tonelada e, até onde se sabe, todos
no cenário sabiam da possibilidade da morte de Keaton na cena. Pessoas
rezavam e muitos integrantes da filmagem se recusaram a presenciar a cena.
Não me coloco na
posição de julgar Buster, mas o fato é que ele deliberadamente arriscou sua
própria vida em nome da arte a qual ele acreditava - e este sentimento é louvável. Buster sobreviveu e seu filme
também, muito graças a esta cena, que se tornou ícone de sua carreira. Keaton já morreu, é verdade. Mas
lembre-se que ele arriscou sua vida para que você possa se deliciar com uma
cena memorável no maior conforto de sua casa, recheado dos mais belos aparatos
que a tecnologia e a segurança da vida moderna te proporcionam. Por isso, leitor,
honre
a memória de Keaton e assista a “Marinheiro de Encomenda”.
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